Usar as palavras para explicar um fragmento da realidade é insensato, mas o que é a realidade, senão insensata? Bem, o que vou tentar dizer por meio das palavras, aqui, é sobre como peguei piolhos. Parece simples. Viu?, falei que usar de letrinhas unidas para explicar um assunto desses seria uma obscenidade. Pegar piolho na minha idade é obsceno! Descobri o primeiro quando fazia uma hidratação caseira no cabelo, lá apareceu o baitão na palma da minha mão. Era muito grande para ser piolho, mas só podia, pois era igualzinho as fotos dos livros de biologia do 2º grau. Eu lembro bem. Terminei o banho e fui pedir o veredito da minha irmã, que faz biologia. Ela disse: Não, não é não. É muito grande para ser piolho. A Camila, minha amiga, que também estava em casa no momento da descoberta, sugeriu que olhássemos fotos na internet e lá estava o dito-cujo em P&B, um trilhão de vezes ampliado, mas do mesmo tamanho que o meu! Era quase uma barata... Passara o mês coçando freneticamente a cabeça e jurava que eram os primeiros sintomas de estresse causados pelo fim de semestre. Não, não era mesmo. Eram piolhos! A última vez que esses bichinhos tinham invadido meu couro cabeludo, me deixa pensar, tinha lá os meus 10 anos. Pelo menos agora, eu sabia o que causava aquela coceira de deixar qualquer um careca. Simplesmente, deixei de lado o meu vício por enrolar o cabelo para passar a esfregar as pontas das unhas no couro cabeludo. Mas era óbvio que só podiam ser piolhos, pois fazia um mês que eu visitava todos os sábados um abrigo com mais ou menos 20 lindas crianças sapecas. Não foi difícil para o desbravador avançar pelos meus cabelos e ocupar seu primeiro terreninho e dali em diante, construir seu puxadinho, casar e procriar. A ocupação se deu de forma muito rápida, quase uns 50 e sem exageros. Também né, vou lá e deixo os maiores me pentear: - Tia?! Posso fazer um penteado? Impossível de resistir. Quando vê, eles já soltaram a cabeleira, puxaram daqui, puxaram dali, esfregaram suas cabeças na minha, deram um beijo molhado na bochecha, pularam no colo, gritaram, ficaram com ciúmes um do outro, se bateram, choraram, dormiram. O cansaço só deixa essa criançada um pouquinho mais calma, mas você ainda precisa ficar ao lado delas, fazer cafuné, pegar os bebês no colo até finalmente apagarem. E são tantos... Tantos eram os piolhos também. Dizem que não existe uma professora da educação infantil sem piolhos. Não duvido!